terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Fatos da História


A mania da caça às bruxas que convulsionou a Europa Ocidental durante os séculos XV, XVI e XVII pode não ter revelado a existência de demônios sobrenaturais, mas deu efetivamente origem a uma extraordinária quantidade de monstros humanos: os caçadores de bruxas, uma irmandade patologicamente obcecada pela justiça que se devotou a descobrir suspeitas servas do Diabo. A bíblia destes macabros justiceiros era o infame “Malleus Maleficarum” (Martelo de Bruxa), um livro escrito por dois fanáticos sacerdotes dominicanos e publicado em 1486. Para os autores da obra, nenhum estratagema era demasiado ínvio, nenhuma tortura demasiado desumana para ser usada a fim obter confissões. Qualquer atitude quer de cepticismo, quer de moderação, era rejeitada. “Não acreditar em bruxaria”, assim rezava o lema do livro, “é a maior das heresias”.
Um dos mais famosos discípulos do “Malleus Maleficarum” foi o advogado filosofo francês Jean Bodin (1529 – 1596). Possivelmente o primeiro a formular uma definição “legal” de bruxa –“bruxa é alguém que, conhecendo as leis de Deus, tenta realizar algum ato com o acordo do Diabo” -, Bodin era odiosamente eficiente na sua acusação de bruxas suspeitas. Torturava pessoalmente crianças e inválidos com o objetivo de extrair confissões e proclamava que a morte pelo fogo das bruxas condenadas era demasiado rápida, não excedia meia hora. Em 1580, quase fim de sua vida, Bodin escreveu o seu próprio livro, “Demonomania”. Mais severo e mais insidiosamente circunstancial que o próprio “Malleus Maleficarum”, foi bem recebido e largamente lido.
Malleus Maleficarum

Nicolas Remy, inquisidor de Lorena, contemporâneo de Bodin, se não se lhe igualava intelectualmente, equiparava-se por certo nas perseguições que movia às bruxas. Durante 15 anos de julgamentos de casos de bruxarias, Remy foi responsável pela execução de aproximadamente 900 pessoas. Quando o seu filho mais velho morreu, em 1582, Remy inevitavelmente suspeitou de bruxaria, acusando e condenando mais tarde um mendigo a quem recusara esmola pouco antes da morte do filho. Como Remy explicou: “As bruxas recorrem a um processo extremamente traiçoeiro para aplicarem o seu veneno, pois com as mãos sujas dele agarram-se ao vestuário de um homem como se fossem para interceder junto dele e instalar para que atenda aos seus pedidos”.Tal como Bodin, Remy reformou-se como homem honrado e escreveu o livro sobre suas experiências. O principal desgosto de sua vida, confessou, foi não ter aniquilado mais filhos de bruxas.
O caçador de bruxas que de longe causou maior morticínio foi Peter Binsfeld, instruído pelos Jesuítas, bispo sufragâneo de Trier, Alemanha, que viveu nos finais do século XVI. Consta que Binsfeld, incansável perseguidor de bruxas, segundo o qual uma tortura “ligeira” não significava qualquer tortura, foi responsável pelas mortes de 6500 homens, mulheres e crianças. O seu“Tratado sobre Confissões de Bruxas e Praticantes de Malefícios” foi considerado por muitos dos seus contemporâneos como sendo uma das maiores obras legais da época. Poucas vozes se ergueram em oposição à prática sangrenta da caça às bruxas. Mas quando o erudito holandês Cornelius Loo, horrorizado pela enormidade dos assassínios judicialmente sancionados de Binsfeld, tentou protestar em nome da Humanidade, foi condenado e obrigado a retratar-se publicamente.
O fato de a maioria dos caçadores de bruxas acreditarem sinceramente na retidão dos seus procedimentos criminosos não torna atualmente menos horrorosos os seus métodos desumanos, lógica perversa e preconceitos extremistas. Henri Boguet (1550 – 1619), advogado francês a quem se atribui o extermínio de cerca de 600 bruxas, foi, por exemplo, capaz de ajudar a condenar uma piedosa suspeita com base em que o crucifixo que ela usava no terço apresentava um minúsculo defeito - indicio claro, segundo Boguet, de que ela estava associada ao Diabo.
Já Pierre de Lancre, caçador oficial de bruxas da região basca durante o reinado de Henrique IV da França, era igualmente hábil em detectar qualquer presença satânica. Por razões obscuras, mas que parecem ter sido mórbidas implicações sexuais, De Lancre convenceu-se de que todos os 30.000 habitantes (incluindo os padres) do distrito de Labourd eram bruxos. Quando as conclusões de De Lancre foram divulgadas, milhares de pessoas abandonaram os seus lares, algumas das quais emigraram mesmo para a Terra Nova, para escaparem à inevitável conflagração. No espaço de 4 meses, De Lancre queimou cerca de 600 pessoas que restavam no distrito de Labourd, após o extermínio regressou triunfantemente a Paris para ser feito conselheiro do Estado pelo grato Rei Henrique IV.
Contrariamente a alguns dos seus correligionários, o caçador de bruxa inglês Matthew Hopkins, cuja época áurea não se prolongou para além de um período relativamente breve na década de 1640, conseguiu matar apenas algumas centenas de pessoas. Além do mais, é devido a um decreto parlamentar, foi obrigado a renunciar o método a que inicialmente recorrera para identificar bruxas – lançar as suspeitas, amarradas, para um lago ou rio, a fim de verificar se flutuavam, caso em que era consideradas culpadas.
A escuridão que assolava a Europa Ocidental dos séculos XV, XVI e XVII não provinha da existência de demônios, bruxas ou qualquer outro tipo de manifestação maléfica. Mas sim de mentes obscuras que tinham o poder em mãos, usando-o para alimentar seu desejo doentio por prazeres mórbidos ou simplesmente atuando em nome de Deus para alcançar seus objetivos de ganância e poder

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